No
princípio, está o fim
1. No
princípio está o fim, a nebulosa do mistério e do sacrifício. E saber alguma
coisa é rememorar, chegar à conclusão que nada sabemos, a não ser recordarmos e
podermos ser corrente. Sempre entre o alfa e o ómega,
entre Deus e o Mundo. Porque o homem é o único animal que, falando, e sabendo
que vai morrer, descobriu o infinito. Mas como só é possível atingir o
universal pela diferença, vem a política e a pátria, a democracia e Portugal.
Assim se foi construindo uma ordem liberal e adogmática, herdeira da ideia de
democracia, de liberdade, igualdade e fraternidade, ao serviço do
homem, à procura de Deus, com a razão, assumindo, aqui e agora, o patriotismo,
o europeísmo e o cosmopolitismo.
No
princípio, estão os princípios
2. Quase
todo o mundo polido e civilizado diz, hoje, articular-se em torno de princípios
que constituem uma espécie de património comum da humanidade. São vagamente
greco-romanos, no plano dos conceitos. Marcadamente cristãos, em termos de
libertação do indivíduo. Vincadamente humanistas, quanto ao processo de
reorganização das regras do jogo político internacional.
O legado humanista
2.1.Atinge a
sua plenitude com os iluministas que procuraram voltar ao renascentismo, a
Camões, a Damião de Góis, ou a Erasmo. Os que pediram ao neoplatonismo para que
se acrescentasse ao neotomismo, para que a racionalidade aristotélica nos
permitisse regressar, tanto ao estoicismo como à própria raiz Academia de
Platão
2.2.
Primeiro a ideia predominante de contrato social como génese
do político e paradigma da república.
2.3. A
distinção entre um Estado-Aparelho de poder, ou principado, e um
Estado-Comunidade, ou república.
2.4. A
tentativa de passagem da Razão de Estado ao Estado-Razão (como
a expressou Espinosa).
2.5. A ideia
de um Estado de mera responsabilidade limitada (John Locke)
2.6. A vontade
geral entendida como vontade racional (Rousseau)
2.7. A autonomia
da sociedade civil, como sociedade dos cidadãos, entendida como sinónimo de
sociedade política.
Pluralidade
de pertenças
2.8. Esta
pluralidade de legados, embora não constitua um sistema ordenado por uma
hierarquia de conceitos, é caminho de procura da unidade pelo paradoxo da
livre-consciência.
Sociedade
das nações
3. A síntese
desse modelo atingiu o seu clímax com a primeira organização sonhada pelos
velhos projetistas da paz e chamou-se Sociedade das
Nações. Retomando o esboço do norte-americano Thomas Woodrow Wilson, deu
corpo ao sonho de Immanuel Kant, o iluminista alemão de Königsberg.
Organização
das Nações Unidas
4. O salto
em frente ocorreu com a Organização das Nações Unidas, depois do
falhanço da sua antecessora, face ao desenrolar dessa guerra civil europeia que
se transformou na última das grandes guerras, entre 1939 e 1945.
Relembrar
para recomeçar
5. Começando
pelo primeiro discurso sobre a democracia, de Péricles, uns séculos antes de
Cristo ter nascido, o que consta da História da Guerra do Peloponeso,
de Tucídides, na oração fúnebre em memória de soldados mortos pela pátria,
podemos visualizar dez mandamentos para uma eterna teoria da democracia:
I. A
progressão nas carreiras públicas deve apenas depender do
mérito e da capacidade, mas nunca da origem social.
II. A
liberdade deve ser, sobretudo, da vida privada.
III. O
respeito pelas leis vem, principalmente, da boa educação.
IV. Importa
organizar jogos e sacrifícios para a recreação do espírito.
V. A elegância
das habitações ajuda a esquecer as nossas preocupações.
VI. Para
termos grandeza, devemos atrair produtos de todo o mundo.
VII. Devemos
abrir-nos a todo o mundo e jamais excluirmos os estrangeiros.
VIII.
Devemos viver no quotidiano da forma que mais nos apraz.
IX. Não
devemos ter o sentido férreo da disciplina na educação
X. Importa
cultivarmos o requinte sem extravagância e as coisas do
espírito sem perdermos virilidade.
A república
6. Segue-se
o conceito romano de respublica, de acordo com o desenho de Cícero,
isto é, a procura de uma comunidade assente na libertas do
povo, na auctoritas dos fundadores, e na potestas dos
magistrados. A res publica, enquanto sinónimo
de populus, entendido, não como uma multidão unida de
qualquer maneira, mas antes como uma multidão unida pela utilidade
comum e pelo consenso do direito. Isto é, como um número razoável de
indivíduos, dotados de uma comunhão de fins e de interesses, mas assentes
no juris consensus.
Porque o
poder sem a sabedoria que ensina a governar-se a si mesmo e a dirigir os demais,
é uma vergonha, conclui, exortando: que pode haver de mais admirável do
que uma República governada pela virtude, quando aquele que manda os outros não
obedece a nenhuma paixão, quando não impõe aos seus concidadãos nenhum preceito
que ele próprio não observe; quando não dita ao povo qualquer lei a que ele
próprio se não obrigue, e a sua conduta inteira pode apresentar-se como exemplo
para a sociedade que governa?
O império
7. É
evidente que estas sementes são, de imediato, juguladas pela degenerescência do
chamado império. Primeiro, com a usurpação do princeps, depois com
a decadência do dominado, quando, em 284, com Diocleciano, o imperador passa a
intitular-se como dominus e deus, exigindo adoratio e
fazendo derivar o respetivo poder, não da velha lex curiata de imperio,
mas da investidura divina.
Feudalismo
8. Segue-se,
no Ocidente europeu, o crescendo do feudalismo, a partir do século III, com a
emergência do patronato, como forma de proteção do franco pelo
forte, através da encomendação, com a consequente compra do poder. Porque
permanecem as forças vivas que se consideram donas do
poder e que continuam a escolher os seus feitores entre
certa classe política, e os seus capatazes do verbo entre os
pequenos e médios intelectuais que, sem concorrência, nos comandam, por escolha
dos fracos selecionadores de elites que nos empanturram, até
porque nunca souberam jogar. E o que mais nos marca negativamente é a falta de
espinha dessas pretensas elites. As que temem a concorrência e criam estufas de
micro-autoritarismos subestatais, onde há sempre convidados do sistema, em
troca de um simples prato de lentilhas, seja dinheiro, postos de vencimento ou
honrarias e penduricalhos.
Teocracia
9. Ao mesmo
tempo, surgia a teocracia, nomeadamente a partir do papa, desenvolvendo o cesaropapismo.
E o patronato reinante até quer que a falsa nobreza continue a comercial e,
aliada à teocracia do congreganismo, mantém em funcionamento clandestino a
inquisição do politicamente correto, mesmo que admita a exibição desgarrada de
certos bobos da corte, para gáudio do agenda setting e de
certa teoria da conspiração.
O regresso
das autonomias
10. Apesar
do conflito entre o papa e o imperador, surge, no século XIII, algo de novo: a
emergência de novas formas políticas como autonomias. Desde os burgos, comunas
e concelhos, com o regresso do comércio, o delinear da Europa e a criação do
reino, entendido pelo nosso Infante D. Pedro como uma espécie de concelho em
ponto grande.
Cortes de
Coimbra de 1385
11. É então
que emergem algumas revoluções pós-feudais, como a portuguesa, de 1383-1385,
com a consequente constituição política, expressa pelo discurso do João das
Regras nas Cortes de Coimbra, onde se consagra o QOT, segundo o qual, o
que a todos diz respeito, por todos deve ser decidido, confirmando os fatores
democráticos da formação de Portugal.
A ideia de
reino
12.
Primeiro, o reino, como entidade autossuficiente, livre do Império e do Papado,
e livre do doméstico do senhorio, com o consequente feudal. O que é promovido
por um rei eleito, onde o senhorio natural é superior ao senhorio de honra do
Pacto de Salvaterra, donde emergia D. Beatriz
A república
maior
13. Em
segundo lugar, a passagem do velho reino ao novo reino, o do armilar e do
universal, defensor da república maior do género humano, com o mestre feito
messias a semear um quinto império.
Absolutismos
de facto
14.
Infelizmente, há uma constante pressão usurpadora dos absolutismos fácticos.
14.1. O da
monarquia, ou da centralização do poder régio.
14.2. O da
nobreza que deixa de ser aristocracia de guerra e quer comerciar.
14.3. O do
clericalismo que se quer estadualizar até conseguir transformar a Inquisição
num tribunal estadual.
Estado
soberano
15. Tudo se
agrava quando, a partir de 1531, com Maquiavel, se batiza o Estado e, a partir
de 1576, se teoriza a soberania, com Jean Bodin.
Resistências
consensualistas
16. Há
contudo, resistências, como as dos franciscanos, dos neoplatónicos e dos
humanistas do Renascimento, encruzilhadas que lançam, por exemplo, as ideias
políticas expressas por Camões. Há, com efeito, toda uma corrente que, no
pensamento político português se exprime através de Vasco Fernandes de Lucena,
o Infante D. Pedro, Diogo Lopes Rebelo, Frei João Sobrinho, Lourenço de
Cáceres, Frei António de Beja, Frei Amador Arrais, Diogo de Sá e D. Jerónimo
Osório. E que ainda marca as Alegações de Direito, de 22 de Outubro de 1579, a
favor de D. Catarina, subscritas por Afonso de Lucena, Félix Teixeira, António
Vaz Cabaço e Luís Correia.
A
Restauração de 1640
17. É desta
encruzilhada da tradição de autonomias e de pluralismo que surge a teoria da
restauração de 1640, especialmente com João Pinto Ribeiro e Francisco Velasco
Gouveia, marcados pelo exemplo de Francisco de Vitória e Francisco Suárez, com
várias ideias marcantes, como as de:
17.1. O
poder tem o seu fundamento e o seu limite no direito.
17.2. Há uma
teoria de origem democrática do poder.
17.3. Vigora
o princípio da representação política.
17.4. Há uma
abstratização do poder.
17.5. O
corpo político é plural.
Revolução
inglesa
18.
Paralelamente surge a revolução inglesa, com os grandes mestres que traduzem
São Tomás para o protestantismo, com John Fortescue (1400-1476), Richard Hooker
(1553-1600), Thomas Smith (1514-1577) e John Locke.
República
norte-americana
19.
Desencadeia-se assim uma revolução atlântica que passa pela fundação da
república norte-americana, em nome do horizontalismo pactista e societário, com
algumas ideias básicas:
19.1. Nem
tudo o que é natural, pré-contratual e pré-estadual, tem que ser
contratualizado ou estadualizado.
19.2. Há
certas pertenças dos indivíduos que continuam reserva individual e não se
transformam em direitos civis concedidos pelo vértice, fixados pelo direito
positivo em catálogo, mesmo quando há cartas e elencos de direitos humanos já
supra-estadualizados e quase universais.
As duas
revoluções francesas
20. Surge em
seguida o desafio da Revolução Francesa, ou melhor, das duas revoluções
francesas, uma ainda com rei e parlamento, a outra, marcada pela guilhotina do
Terror. Ou a clivagem entre os federalistas girondinos, e os centralistas
jacobinos, antes do confronto pós-revolucionário, entre os napoleónicos e os
moderados.
Liberalistas
e democratistas
21. De
qualquer maneira, nos começos do século XIX, ainda é nítido o confronto entre
os liberalistas e os democratistas. Com os primeiros a considerarem que há um
indivíduo portador de direitos naturais, que o continuam a ser depois do funil
do contrato social. Com os segundos, considerando que o cidadão substituiu o
indivíduos, onde todos os direitos naturais passaram a direitos civis,
estadualizados.
A
mundialização do modelo atlântico
22.
Seguem-se as várias ondas que propagam o modelo a várias zonas do mundo. Desde
o movimento das independências sul-americanas, à Primavera dos Povos de 1848,
quando se dá o começo da queda dos impérios centrais europeus, concretizada no
fim da Grande Guerra de 1914-1918, mas sem que se tenha resolvido o cinturão
das populações mistas, com Estados feitos de minorias nacionais e do
consequente etno-nacionalismo, nas placas giratórias dos eixos da Borgonha,
da Mitteleuropa e do Intermarium, entre o Mar
Negro e o Mar Báltico.
Socialismo e
democracia-cristã
23. O
demoliberalismo é, contudo, desafiado a partir de 1848, desde o socialismo à
democracia-cristã, inimigos que menos de cem anos depois passaram a principais
gestores do sistema, talvez como no começo do século XX, surgem os
ex-comunistas e os pós-fascistas.
24. Se uma
ideologia é uma ideia, com um pensamento, um mito, com um plano de salvação do
mundo, e uma emoção, com adesão valorativa, as conceções do mundo e da
vida são essenciais, mesmo que tenham uma genealogia plural de subsolos
filosóficos.
25. Na
prática, as teorias são outras, nomeadamente as conquistas deste regime, a
criatura da nossa vivência coletiva que pode não corresponder a algumas
intenções dos planeadores da revolução, mas antes a práticas comunitárias, a
ações dos homens concretos. Ei-la assente numa visão de democracia pluralista e
de sociedade aberta, nos quadros de um Estado de Direito. Até quando a fomos
fazendo em zonas como a prevalência do sufrágio universal, a criação de regiões
autónomas e a osmose do poder local.
Democracia,
liberdade e maçonaria
Democracia,
liberdade e maçonaria, mesmo para um maçom, não são necessariamente um verso
épico, marcado por uma utopia tradicionalista que viva a nostalgia pelo ventre
materno de um passado por cumprir.
A
organização, nascida do iluminismo britânico de 1717, ora liberal, ora
jacobita, mas que ainda não sabe de onde efetivamente veio, adotou o pluralismo
das conceções do mundo e da vida das culturas onde se foi enraizando. Se é
comum a crença no progressivo da história, não se aceita passivamente que ela
esteja escrita antecipadamente, limitada ao caixilho mental de alguns teóricos
do processo histórico.
Mesmo a
maçonaria portuguesa, organizada desde 1802, não deixa de ter luz e sombra no
seu passado. Talvez tenha acertado quando foi um dos braços armados do
patriotismo da Restauração conseguida em 1808. Voltou a não errar quando os
combatentes da invasão napoleónica estiveram na base da criação da maçonaria
brasileira. Tornou a ter sentido de futuro com a conspiração de Gomes
Freire, quando a derrota passou à resistência do Sinédrio e se movimentou para
o 24 de Agosto de 1820. Como temos de agradecer ao Brasil, de José Bonifácio,
Hipólito José da Costa e D. Pedro, ter-se tornado independente, cumprindo o
desígnio de política global, originado por 1640.
Do Mindelo
aos devoristas
E a
maçonaria voltou a ser sonho quando desembarcou no Mindelo e derrotou a Santa
Aliança. Mas depois da vitória, partidarizou-se e tornou-se devorista e
partidocrática, quando se dividiu pela luta politiqueira intestina. Até
promoveu o regresso ao despotismo, mas uma das suas fações ainda deu sinal de
esperança na Patuleia.
Do regicídio
ao republiquicídio
Voltou a
dividir-se quando se quis confundir com um regime, depois de um golpe de
Estado, perdendo-se em várias organizações irregulares de apoio a líderes
políticos, entre formigas brancas e pretas, como se um maçom fosse obrigado a
ser republicano ou monárquico, ou apoiar o regicídio de 1908, ou os
republiquicídios de 1918 e 1921.
O despotismo
salazarento
Viveu a
tragédia de novo despotismo, quando um importante núcleo de maçons organizou a
instauração de uma Ditadura que a vai tentar extinguir legalmente a 1935,
quando a manha de certa sacristia conseguiu fintar a cavalariça. Mas a memória
do sofrimento fez com os maçons tenham participado na luta pela liberdade, pela
democracia e pelo Estado de Direito desde a primeira hora das trevas.
Dividimo-nos
quando nos enredámos no negocismo, na corrupção, no clientelismo e na
partidocracia.
Repartida
por vários partidos e conceções do mundo e da vida, mas fiel ao cosmopolitismo
da urgente geodemocracia, até pelo reforço do projeto europeu que nos garanta
como nação de nações e democracia de muitas democracias, não
deixa de considerar que este regime é um péssimo regime, mas o menos péssimo de
todos quanto até hoje experimentámos.
Continuam os
maçons incompreendidos pelos amantes do império que não admitem as liberdades
nacionais e o patriotismo. Pelos agentes da teocracia que querem o primado das
religiões reveladas que são supra, infra ou estadualmente organizadas por
fundamentalismos de cartilha.
Totalmente
incompreendidos pelos teóricos da conspiração que não admitem a liberdade
associativa assente na não revelação das associações a que cada um pertence,
como é permitido e exigido pela nossa constituição e pelos princípios
constitucionais europeus.
A maçonaria,
enquanto sociedade iniciática não é uma associação regulável pelo direito
positivo, na sua parte sagrada, pelos regulamentos estaduais, infraestaduais e
supraestaduais. Porque a maçonaria não está abaixo ou acima dos Estados ou das
organizações interestaduais, mas antes ao lado dos Estados e das organizações
interestaduais. Pertence apenas a cada um dos homens que a ela acede pelo
sacramental de um juramento de honra e pelo reconhecimento ritual de outros
maçons. Pertence à esfera das relações dos homens com outros homens em comunhão
com o transcendente. Tem a ver com os antigos e permanentes mistérios que
jamais pode ser objeto da cidadania, estadual ou supraestadual.
Qualquer
norma que pretenda imiscuir-se nessa zona de pertenças humanas está a abusar do
direito e deixa, por isso mesmo, de ser direito. E se o cidadão não está acima
das leis, o homem, sim, até em sua própria casa. Se os maçons devem submeter-se
às leis legitimamente estabelecidas. Bem pelo contrário, foram os próprios
maçons que estiveram na vanguarda da luta pelo Estado de Direito.
Mas nunca
nos esqueçamos que o direito não é a vida, as relações jurídicas são a ínfima
parcela das condutas humanas e das relações sociais, são aquelas relações da
vida social que são juridicamente definidas e violentamente protegidas, que o
direito controla e o Estado tutela. A própria personalidade jurídica é uma
máscara pela qual o cidadão atua no teatro do direito, que continuava direito
quando havia seres humanos sem personalidade jurídica, que continua direito
quando se atribui personalidade jurídica a entidades que não são seres humanos.
A maçonaria é a vida, não é o direito positivo.
A entidade dita maçonaria tanto tem uma dimensão profana, associativa,
como uma dimensão iniciática, típica do homem, não redutível às coisas das
organizações dos cidadãos. Como projeto profano, as maçonarias estão
intimamente associadas às revoluções atlânticas, de que foram projetistas e
executantes do sonho. Até assumiram dimensões profanas de resistência,
clandestinas e secretas, contra autoritarismos e totalitarismos do século XX, e
em aliança com as próprias organizações cívicas do humanismo cristão.
Contudo, a liberdade de associação conquistada não admite que a
maçonaria tenha de ser confessada ao príncipe ou à igreja da religião oficial
do príncipe, mesmo que se assuma como religião secular. A base da liberdade
passa por essa resistência individual e faz parte do legado humanista e
ocidental. E não é por acaso que sempre se opôs às bulas intervencionistas na
consciência individual, viesse de Roma, ou de Moscovo.
Não há liberdade sem boa educação. Não há liberdade sem que cada um a conquiste,
crescendo por dentro. Passando de escravo a homem livre, revoltando-se. E
deixando de ser súbdito, assumindo a cidadania, isto é, participando na decisão
coletiva. E nada acontecerá sem libertação. Sem que cada um se assumir como o
microcosmos, olhando o mundo como um homem em ponto grande, como um macroantropos.
O planeta vivo
Logo, o homem tem que respeitar a sua terra, sentindo-a e sabendo-a um
planeta vivo. E, para tanto, tem de se saber ver de cima, mas pensando no tempo
e no espaço, isto é, reconhecendo os limites da sua finitude. O mundo é
mais infinito na sua finitude do que aquilo que a nossa vida pode conhecer.
Viva a ciência que nos permite chegar ao transcendente!
O sagrado como conquista da distância
O sagrado é o velho método de conquistarmos a distância. Do mar, outra,
mas que seja nossa. A velha herança do português armilar que foi
descobrir os outros, para se descobrir a si mesmo. Porque, como cantava Paul
Claudel, quanto mais além, mais além ainda.
Chegar à eternidade através do amor
Só o homem é um animal de discurso, de logos, o único animal
que assim fala, o único animal que sabe que vai morrer, mas que continua sem
saber que nome dar aos livros que vão além da física. Mas quem não escreve
livros, pode plantar árvores, mesmo que o mundo acabe amanhã, para quem
considera cada dia como se fosse o último. Aliás, quem não escreve
livros como se plantam árvores, tanto não sabe acariciar a terra-mãe como não
pode semear e ter filhos, para chegar à eternidade através do amor.
O desassossego da procura do sagrado
Vai continuar o mistério de cada um cair e levantar-se, com os pés no
caminho, caminhando, e os olhos postos na beatitude do cosmos. Para daí
partirmos para o segredo do infinito que nunca acharemos. Naquilo que todos os
dias fala connosco, quando, depois de crescermos para cima, crescemos por
dentro. Sempre em procura da raiz do mais além a que chamamos
Deus e que continua deus, ou deuses, mesmo para os que, como eu, não têm a
felicidade de acreditar num Deus revelado. Porque é manifesto que muitos
continuam a viver nesse desassossego da procura do sagrado, sem saber o que nos
vai suceder depois da curva do caminho, esse inevitável, depois do qual não
sei, se, afinal, serei.
Radical,
reformista e conservadora
A maçonaria,
para continuar a ser radical nos objetivos, reformista nas
metodologias e conservadora nos valores, não pode continuar a
inebriar-se por certa música celestial das organizações clandestinas e
sectárias. O ótimo é inimigo do bom, especialmente quando apenas deve
procurar-se o menos mau. O problema não está na conquista e distribuição de
poderes, mas na recriação de um poder que volte a ser pura autoridade. Logo,
tem de saber reconhecer, na respetiva história, que certas estratégias levaram
a sucessivas derrotas.
Só a
autoridade pode criar poder
A maçonaria
já se diluiu nas teias das lutas intestinas do poder político, já se passeou
pelos meandros do poder político e económico, para que alguns conseguissem
lugares, negócios, nomeações e honrarias injustas. Já recrutou maçons para eles
serem antecâmaras do poder profano. Já fingiu ser clandestina quando devia ter
saído da clandestinidade.
Contra a
falta de autenticidade
Porque
certos fatos não fazem os monges se as medidas da alma de quem pretende ser o
criador de meras criaturas continuarem sitiadas pela falta de autenticidade dos
velhinhos que brincam às criançadas.
Deus como
segredo
Há quem seja
maçom para sentir Deus em corrente humana e cadeia de união, esse Deus que,
sendo razão, nunca nos chega, porque será sempre segredo que nunca
desvendaremos. Acontece que a maçonaria não tem esse nem outros segredos,
porque é apenas dos mistérios antigos.
Passagem
para uma nova vida
A maçonaria
não pode pois deixar empalar-se pelas minudências rituais de pretensos sábios,
que dizem saber mas sem o sofrerem por dentro, com a humildade de quem caminha
para a morte e não sabe de onde vem e para onde vai. A maçonaria apenas nos
ajuda a poder olhar o sol de frente, como alguém que sente a sua
passagem para uma nova vida, para glosar Robert Brasillach.
Ideia de
obra
Os maçons
são apenas sacerdotes dos mistérios antigos, para levarem a humanidade às
praias da civilização. Uma instituição é, antes de mais, uma ideia de obra.
Manifestação
de comunhão
Mas só vive
se essa essência passar à existência, se entre os seus membros se gerarem,
espontaneamente, manifestações de comunhão. Tal como apenas perdurará quando
houver comunhão, quando um a um, como autonomias individuais, e todos, como um
coletivo, aderirem e vivificarem a pertença comum, cumprindo, com lealdade, as
regras que editarem. Só há ordem quando se cumprirem na solidão da não
vigilância os preceitos que são conceitos.
Obediência
pelo consentimento
Mas só há
grupo quando a ideia de obra mobiliza. Porque o bem comum de certa coisa
pública é a fonte e o limite de determinadas regras. Só pode realmente obedecer
quando espontaneamente se faz o consentimento. Eis o mínimo vital de quem vive
em esquadria moral, a da divina geometria.