segunda-feira, 26 de setembro de 2016

I No princípio, está o fim


No princípio, está o fim



1. No princípio está o fim, a nebulosa do mistério e do sacrifício. E saber alguma coisa é rememorar, chegar à conclusão que nada sabemos, a não ser recordarmos e podermos ser corrente. Sempre entre o alfa e o ómega, entre Deus e o Mundo. Porque o homem é o único animal que, falando, e sabendo que vai morrer, descobriu o infinito. Mas como só é possível atingir o universal pela diferença, vem a política e a pátria, a democracia e Portugal. Assim se foi construindo uma ordem liberal e adogmática, herdeira da ideia de democracia, de liberdade, igualdade e fraternidade, ao serviço do homem, à procura de Deus, com a razão, assumindo, aqui e agora, o patriotismo, o europeísmo e o cosmopolitismo.

No princípio, estão os princípios
2. Quase todo o mundo polido e civilizado diz, hoje, articular-se em torno de princípios que constituem uma espécie de património comum da humanidade. São vagamente greco-romanos, no plano dos conceitos. Marcadamente cristãos, em termos de libertação do indivíduo. Vincadamente humanistas, quanto ao processo de reorganização das regras do jogo político internacional.

O legado humanista
2.1.Atinge a sua plenitude com os iluministas que procuraram voltar ao renascentismo, a Camões, a Damião de Góis, ou a Erasmo. Os que pediram ao neoplatonismo para que se acrescentasse ao neotomismo, para que a racionalidade aristotélica nos permitisse regressar, tanto ao estoicismo como à própria raiz Academia de Platão

2.2. Primeiro a ideia predominante de contrato social como génese do político e paradigma da república.

2.3. A distinção entre um Estado-Aparelho de poder, ou principado, e um Estado-Comunidade, ou república.

2.4. A tentativa de passagem da Razão de Estado ao Estado-Razão (como a expressou Espinosa).

2.5. A ideia de um Estado de mera responsabilidade limitada (John Locke)

2.6. A vontade geral entendida como vontade racional (Rousseau)

2.7. A autonomia da sociedade civil, como sociedade dos cidadãos, entendida como sinónimo de sociedade política.

Pluralidade de pertenças
2.8. Esta pluralidade de legados, embora não constitua um sistema ordenado por uma hierarquia de conceitos, é caminho de procura da unidade pelo paradoxo da livre-consciência.


Sociedade das nações
3. A síntese desse modelo atingiu o seu clímax com a primeira organização sonhada pelos velhos projetistas da paz e chamou-se Sociedade das Nações. Retomando o esboço do norte-americano Thomas Woodrow Wilson, deu corpo ao sonho de Immanuel Kant, o iluminista alemão de Königsberg.

Organização das Nações Unidas
4. O salto em frente ocorreu com a Organização das Nações Unidas, depois do falhanço da sua antecessora, face ao desenrolar dessa guerra civil europeia que se transformou na última das grandes guerras, entre 1939 e 1945.

Relembrar para recomeçar
5. Começando pelo primeiro discurso sobre a democracia, de Péricles, uns séculos antes de Cristo ter nascido, o que consta da História da Guerra do Peloponeso, de Tucídides, na oração fúnebre em memória de soldados mortos pela pátria, podemos visualizar dez mandamentos para uma eterna teoria da democracia:

I. A progressão nas carreiras públicas deve apenas depender do mérito e da capacidade, mas nunca da origem social.

II. A liberdade deve ser, sobretudo, da vida privada.

III. O respeito pelas leis vem, principalmente, da boa educação.

IV. Importa organizar jogos e sacrifícios para a recreação do espírito.

V. A elegância das habitações ajuda a esquecer as nossas preocupações.

VI. Para termos grandeza, devemos atrair produtos de todo o mundo.

VII. Devemos abrir-nos a todo o mundo e jamais excluirmos os estrangeiros.

VIII. Devemos viver no quotidiano da forma que mais nos apraz.

IX. Não devemos ter o sentido férreo da disciplina na educação

X. Importa cultivarmos o requinte sem extravagância e as coisas do espírito sem perdermos virilidade.

A república
6. Segue-se o conceito romano de respublica, de acordo com o desenho de Cícero, isto é, a procura de uma comunidade assente na libertas do povo, na auctoritas dos fundadores, e na potestas dos magistrados.  A res publica, enquanto sinónimo de populus, entendido, não como uma multidão unida de qualquer maneira, mas antes como uma multidão unida pela utilidade comum e pelo consenso do direito. Isto é, como um número razoável de indivíduos, dotados de uma comunhão de fins e de interesses, mas assentes no juris consensus.

Porque o poder sem a sabedoria que ensina a governar-se a si mesmo e a dirigir os demais, é uma vergonha, conclui, exortando: que pode haver de mais admirável do que uma República governada pela virtude, quando aquele que manda os outros não obedece a nenhuma paixão, quando não impõe aos seus concidadãos nenhum preceito que ele próprio não observe; quando não dita ao povo qualquer lei a que ele próprio se não obrigue, e a sua conduta inteira pode apresentar-se como exemplo para a sociedade que governa?

O império
7. É evidente que estas sementes são, de imediato, juguladas pela degenerescência do chamado império. Primeiro, com a usurpação do princeps, depois com a decadência do dominado, quando, em 284, com Diocleciano, o imperador passa a intitular-se como dominus e deus, exigindo adoratio e fazendo derivar o respetivo poder, não da velha lex curiata de imperio, mas da investidura divina.

Feudalismo
8. Segue-se, no Ocidente europeu, o crescendo do feudalismo, a partir do século III, com a emergência do patronato, como forma de proteção do franco pelo forte, através da encomendação, com a consequente compra do poder. Porque permanecem as forças vivas que se consideram donas do poder e que continuam a escolher os seus feitores entre certa classe política, e os seus capatazes do verbo entre os pequenos e médios intelectuais que, sem concorrência, nos comandam, por escolha dos fracos selecionadores de elites que nos empanturram, até porque nunca souberam jogar. E o que mais nos marca negativamente é a falta de espinha dessas pretensas elites. As que temem a concorrência e criam estufas de micro-autoritarismos subestatais, onde há sempre convidados do sistema, em troca de um simples prato de lentilhas, seja dinheiro, postos de vencimento ou honrarias e penduricalhos.

Teocracia
9. Ao mesmo tempo, surgia a teocracia, nomeadamente a partir do papa, desenvolvendo o cesaropapismo. E o patronato reinante até quer que a falsa nobreza continue a comercial e, aliada à teocracia do congreganismo, mantém em funcionamento clandestino a inquisição do politicamente correto, mesmo que admita a exibição desgarrada de certos bobos da corte, para gáudio do agenda setting e de certa teoria da conspiração.

O regresso das autonomias
10. Apesar do conflito entre o papa e o imperador, surge, no século XIII, algo de novo: a emergência de novas formas políticas como autonomias. Desde os burgos, comunas e concelhos, com o regresso do comércio, o delinear da Europa e a criação do reino, entendido pelo nosso Infante D. Pedro como uma espécie de concelho em ponto grande.

Cortes de Coimbra de 1385
11. É então que emergem algumas revoluções pós-feudais, como a portuguesa, de 1383-1385, com a consequente constituição política, expressa pelo discurso do João das Regras nas Cortes de Coimbra, onde se consagra o QOT, segundo o qual, o que a todos diz respeito, por todos deve ser decidido, confirmando os fatores democráticos da formação de Portugal.

A ideia de reino
12. Primeiro, o reino, como entidade autossuficiente, livre do Império e do Papado, e livre do doméstico do senhorio, com o consequente feudal. O que é promovido por um rei eleito, onde o senhorio natural é superior ao senhorio de honra do Pacto de Salvaterra, donde emergia D. Beatriz

A república maior
13. Em segundo lugar, a passagem do velho reino ao novo reino, o do armilar e do universal, defensor da república maior do género humano, com o mestre feito messias a semear um quinto império.

Absolutismos de facto
14. Infelizmente, há uma constante pressão usurpadora dos absolutismos fácticos.
14.1. O da monarquia, ou da centralização do poder régio.
14.2. O da nobreza que deixa de ser aristocracia de guerra e quer comerciar.
14.3. O do clericalismo que se quer estadualizar até conseguir transformar a Inquisição num tribunal estadual.

Estado soberano
15. Tudo se agrava quando, a partir de 1531, com Maquiavel, se batiza o Estado e, a partir de 1576, se teoriza a soberania, com Jean Bodin.

Resistências consensualistas
16. Há contudo, resistências, como as dos franciscanos, dos neoplatónicos e dos humanistas do Renascimento, encruzilhadas que lançam, por exemplo, as ideias políticas expressas por Camões. Há, com efeito, toda uma corrente que, no pensamento político português se exprime através de Vasco Fernandes de Lucena, o Infante D. Pedro, Diogo Lopes Rebelo, Frei João Sobrinho, Lourenço de Cáceres, Frei António de Beja, Frei Amador Arrais, Diogo de Sá e D. Jerónimo Osório. E que ainda marca as Alegações de Direito, de 22 de Outubro de 1579, a favor de D. Catarina, subscritas por Afonso de Lucena, Félix Teixeira, António Vaz Cabaço e Luís Correia.

A Restauração de 1640
17. É desta encruzilhada da tradição de autonomias e de pluralismo que surge a teoria da restauração de 1640, especialmente com João Pinto Ribeiro e Francisco Velasco Gouveia, marcados pelo exemplo de Francisco de Vitória e Francisco Suárez, com várias ideias marcantes, como as de:
17.1. O poder tem o seu fundamento e o seu limite no direito.
17.2. Há uma teoria de origem democrática do poder.
17.3. Vigora o princípio da representação política.
17.4. Há uma abstratização do poder.
17.5. O corpo político é plural.

Revolução inglesa
18. Paralelamente surge a revolução inglesa, com os grandes mestres que traduzem São Tomás para o protestantismo, com John Fortescue (1400-1476), Richard Hooker (1553-1600), Thomas Smith (1514-1577) e John Locke.

República norte-americana
19. Desencadeia-se assim uma revolução atlântica que passa pela fundação da república norte-americana, em nome do horizontalismo pactista e societário, com algumas ideias básicas:

19.1. Nem tudo o que é natural, pré-contratual e pré-estadual, tem que ser contratualizado ou estadualizado.

19.2. Há certas pertenças dos indivíduos que continuam reserva individual e não se transformam em direitos civis concedidos pelo vértice, fixados pelo direito positivo em catálogo, mesmo quando há cartas e elencos de direitos humanos já supra-estadualizados e quase universais.

As duas revoluções francesas
20. Surge em seguida o desafio da Revolução Francesa, ou melhor, das duas revoluções francesas, uma ainda com rei e parlamento, a outra, marcada pela guilhotina do Terror. Ou a clivagem entre os federalistas girondinos, e os centralistas jacobinos, antes do confronto pós-revolucionário, entre os napoleónicos e os moderados.

Liberalistas e democratistas
21. De qualquer maneira, nos começos do século XIX, ainda é nítido o confronto entre os liberalistas e os democratistas. Com os primeiros a considerarem que há um indivíduo portador de direitos naturais, que o continuam a ser depois do funil do contrato social. Com os segundos, considerando que o cidadão substituiu o indivíduos, onde todos os direitos naturais passaram a direitos civis, estadualizados.

A mundialização do modelo atlântico
22. Seguem-se as várias ondas que propagam o modelo a várias zonas do mundo. Desde o movimento das independências sul-americanas, à Primavera dos Povos de 1848, quando se dá o começo da queda dos impérios centrais europeus, concretizada no fim da Grande Guerra de 1914-1918, mas sem que se tenha resolvido o cinturão das populações mistas, com Estados feitos de minorias nacionais e do consequente etno-nacionalismo, nas placas giratórias dos eixos da Borgonha, da Mitteleuropa e do Intermarium, entre o Mar Negro e o Mar Báltico.

Socialismo e democracia-cristã
23. O demoliberalismo é, contudo, desafiado a partir de 1848, desde o socialismo à democracia-cristã, inimigos que menos de cem anos depois passaram a principais gestores do sistema, talvez como no começo do século XX, surgem os ex-comunistas e os pós-fascistas.

24. Se uma ideologia é uma ideia, com um pensamento, um mito, com um plano de salvação do mundo,  e uma emoção, com adesão valorativa, as conceções do mundo e da vida são essenciais, mesmo que tenham uma genealogia plural de subsolos filosóficos.

25. Na prática, as teorias são outras, nomeadamente as conquistas deste regime, a criatura da nossa vivência coletiva que pode não corresponder a algumas intenções dos planeadores da revolução, mas antes a práticas comunitárias, a ações dos homens concretos. Ei-la assente numa visão de democracia pluralista e de sociedade aberta, nos quadros de um Estado de Direito. Até quando a fomos fazendo em zonas como a prevalência do sufrágio universal, a criação de regiões autónomas e a osmose do poder local.


Democracia, liberdade e maçonaria
Democracia, liberdade e maçonaria, mesmo para um maçom, não são necessariamente um verso épico, marcado por uma utopia tradicionalista que viva a nostalgia pelo ventre materno de um passado por cumprir.

A organização, nascida do iluminismo britânico de 1717, ora liberal, ora jacobita, mas que ainda não sabe de onde efetivamente veio, adotou o pluralismo das conceções do mundo e da vida das culturas onde se foi enraizando. Se é comum a crença no progressivo da história, não se aceita passivamente que ela esteja escrita antecipadamente, limitada ao caixilho mental de alguns teóricos do processo histórico.

Mesmo a maçonaria portuguesa, organizada desde 1802, não deixa de ter luz e sombra no seu passado. Talvez tenha acertado quando foi um dos braços armados do patriotismo da Restauração conseguida em 1808. Voltou a não errar quando os combatentes da invasão napoleónica estiveram na base da criação da maçonaria brasileira. Tornou a ter sentido de futuro com a conspiração de Gomes Freire, quando a derrota passou à resistência do Sinédrio e se movimentou para o 24 de Agosto de 1820. Como temos de agradecer ao Brasil, de José Bonifácio, Hipólito José da Costa e D. Pedro, ter-se tornado independente, cumprindo o desígnio de política global, originado por 1640.

Do Mindelo aos devoristas
E a maçonaria voltou a ser sonho quando desembarcou no Mindelo e derrotou a Santa Aliança. Mas depois da vitória, partidarizou-se e tornou-se devorista e partidocrática, quando se dividiu pela luta politiqueira intestina. Até promoveu o regresso ao despotismo, mas uma das suas fações ainda deu sinal de esperança na Patuleia.

Do regicídio ao republiquicídio
Voltou a dividir-se quando se quis confundir com um regime, depois de um golpe de Estado, perdendo-se em várias organizações irregulares de apoio a líderes políticos, entre formigas brancas e pretas, como se um maçom fosse obrigado a ser republicano ou monárquico, ou apoiar o regicídio de 1908, ou os republiquicídios de 1918 e 1921.

O despotismo salazarento
Viveu a tragédia de novo despotismo, quando um importante núcleo de maçons organizou a instauração de uma Ditadura que a vai tentar extinguir legalmente a 1935, quando a manha de certa sacristia conseguiu fintar a cavalariça. Mas a memória do sofrimento fez com os maçons tenham participado na luta pela liberdade, pela democracia e pelo Estado de Direito desde a primeira hora das trevas.

Dividimo-nos quando nos enredámos no negocismo, na corrupção, no clientelismo e na partidocracia.

Repartida por vários partidos e conceções do mundo e da vida, mas fiel ao cosmopolitismo da urgente geodemocracia, até pelo reforço do projeto europeu que nos garanta como nação de nações e democracia de muitas democracias, não deixa de considerar que este regime é um péssimo regime, mas o menos péssimo de todos quanto até hoje experimentámos.

Continuam os maçons incompreendidos pelos amantes do império que não admitem as liberdades nacionais e o patriotismo. Pelos agentes da teocracia que querem o primado das religiões reveladas que são supra, infra ou estadualmente organizadas por fundamentalismos de cartilha.

Totalmente incompreendidos pelos teóricos da conspiração que não admitem a liberdade associativa assente na não revelação das associações a que cada um pertence, como é permitido e exigido pela nossa constituição e pelos princípios constitucionais europeus.

A maçonaria, enquanto sociedade iniciática não é uma associação regulável pelo direito positivo, na sua parte sagrada, pelos regulamentos estaduais, infraestaduais e supraestaduais. Porque a maçonaria não está abaixo ou acima dos Estados ou das organizações interestaduais, mas antes ao lado dos Estados e das organizações interestaduais. Pertence apenas a cada um dos homens que a ela acede pelo sacramental de um juramento de honra e pelo reconhecimento ritual de outros maçons. Pertence à esfera das relações dos homens com outros homens em comunhão com o transcendente. Tem a ver com os antigos e permanentes mistérios que jamais pode ser objeto da cidadania, estadual ou supraestadual.

Qualquer norma que pretenda imiscuir-se nessa zona de pertenças humanas está a abusar do direito e deixa, por isso mesmo, de ser direito. E se o cidadão não está acima das leis, o homem, sim, até em sua própria casa. Se os maçons devem submeter-se às leis legitimamente estabelecidas. Bem pelo contrário, foram os próprios maçons que estiveram na vanguarda da luta pelo Estado de Direito.

Mas nunca nos esqueçamos que o direito não é a vida, as relações jurídicas são a ínfima parcela das condutas humanas e das relações sociais, são aquelas relações da vida social que são juridicamente definidas e violentamente protegidas, que o direito controla e o Estado tutela. A própria personalidade jurídica é uma máscara pela qual o cidadão atua no teatro do direito, que continuava direito quando havia seres humanos sem personalidade jurídica, que continua direito quando se atribui personalidade jurídica a entidades que não são seres humanos. A maçonaria é a vida, não é o direito positivo.

A entidade dita maçonaria tanto tem uma dimensão profana, associativa, como uma dimensão iniciática, típica do homem, não redutível às coisas das organizações dos cidadãos. Como projeto profano, as maçonarias estão intimamente associadas às revoluções atlânticas, de que foram projetistas e executantes do sonho. Até assumiram dimensões profanas de resistência, clandestinas e secretas, contra autoritarismos e totalitarismos do século XX, e em aliança com as próprias organizações cívicas do humanismo cristão.

Contudo, a liberdade de associação conquistada não admite que a maçonaria tenha de ser confessada ao príncipe ou à igreja da religião oficial do príncipe, mesmo que se assuma como religião secular. A base da liberdade passa por essa resistência individual e faz parte do legado humanista e ocidental. E não é por acaso que sempre se opôs às bulas intervencionistas na consciência individual, viesse de Roma, ou de Moscovo.

Não há liberdade sem boa educação. Não há liberdade sem que cada um a conquiste, crescendo por dentro. Passando de escravo a homem livre, revoltando-se. E deixando de ser súbdito, assumindo a cidadania, isto é, participando na decisão coletiva. E nada acontecerá sem libertação. Sem que cada um se assumir como o microcosmos, olhando o mundo como um homem em ponto grande, como um macroantropos.

O planeta vivo
Logo, o homem tem que respeitar a sua terra, sentindo-a e sabendo-a um planeta vivo. E, para tanto, tem de se saber ver de cima, mas pensando no tempo e no espaço, isto é, reconhecendo os limites da sua finitude. O mundo é mais infinito na sua finitude do que aquilo que a nossa vida pode conhecer. Viva a ciência que nos permite chegar ao transcendente!

O sagrado como conquista da distância
O sagrado é o velho método de conquistarmos a distância. Do mar, outra, mas que seja nossa. A velha herança do português armilar que foi descobrir os outros, para se descobrir a si mesmo. Porque, como cantava Paul Claudel, quanto mais além, mais além ainda.

Chegar à eternidade através do amor
Só o homem é um animal de discurso, de logos, o único animal que assim fala, o único animal que sabe que vai morrer, mas que continua sem saber que nome dar aos livros que vão além da física. Mas quem não escreve livros, pode plantar árvores, mesmo que o mundo acabe amanhã, para quem considera cada dia como se fosse o último. Aliás, quem não escreve livros como se plantam árvores, tanto não sabe acariciar a terra-mãe como não pode semear e ter filhos, para chegar à eternidade através do amor.

O desassossego da procura do sagrado
Vai continuar o mistério de cada um cair e levantar-se, com os pés no caminho, caminhando, e os olhos postos na beatitude do cosmos. Para daí partirmos para o segredo do infinito que nunca acharemos. Naquilo que todos os dias fala connosco, quando, depois de crescermos para cima, crescemos por dentro. Sempre em procura da raiz do mais além a que chamamos Deus e que continua deus, ou deuses, mesmo para os que, como eu, não têm a felicidade de acreditar num Deus revelado. Porque é manifesto que muitos continuam a viver nesse desassossego da procura do sagrado, sem saber o que nos vai suceder depois da curva do caminho, esse inevitável, depois do qual não sei, se, afinal, serei.

Radical, reformista e conservadora
A maçonaria, para continuar a ser radical nos objetivos, reformista nas metodologias e conservadora nos valores, não pode continuar a inebriar-se por certa música celestial das organizações clandestinas e sectárias. O ótimo é inimigo do bom, especialmente quando apenas deve procurar-se o menos mau. O problema não está na conquista e distribuição de poderes, mas na recriação de um poder que volte a ser pura autoridade. Logo, tem de saber reconhecer, na respetiva história, que certas estratégias levaram a sucessivas derrotas.

Só a autoridade pode criar poder
A maçonaria já se diluiu nas teias das lutas intestinas do poder político, já se passeou pelos meandros do poder político e económico, para que alguns conseguissem lugares, negócios, nomeações e honrarias injustas. Já recrutou maçons para eles serem antecâmaras do poder profano. Já fingiu ser clandestina quando devia ter saído da clandestinidade.

Contra a falta de autenticidade
Porque certos fatos não fazem os monges se as medidas da alma de quem pretende ser o criador de meras criaturas continuarem sitiadas pela falta de autenticidade dos velhinhos que brincam às criançadas.

Deus como segredo
Há quem seja maçom para sentir Deus em corrente humana e cadeia de união, esse Deus que, sendo razão, nunca nos chega, porque será sempre segredo que nunca desvendaremos. Acontece que a maçonaria não tem esse nem outros segredos, porque é apenas dos mistérios antigos.

Passagem para uma nova vida
A maçonaria não pode pois deixar empalar-se pelas minudências rituais de pretensos sábios, que dizem saber mas sem o sofrerem por dentro, com a humildade de quem caminha para a morte e não sabe de onde vem e para onde vai. A maçonaria apenas nos ajuda a poder olhar o sol de frente, como alguém que sente a sua passagem para uma nova vida, para glosar Robert Brasillach.

Ideia de obra
Os maçons são apenas sacerdotes dos mistérios antigos, para levarem a humanidade às praias da civilização. Uma instituição é, antes de mais, uma ideia de obra.

Manifestação de comunhão
Mas só vive se essa essência passar à existência, se entre os seus membros se gerarem, espontaneamente, manifestações de comunhão. Tal como apenas perdurará quando houver comunhão, quando um a um, como autonomias individuais, e todos, como um coletivo, aderirem e vivificarem a pertença comum, cumprindo, com lealdade, as regras que editarem. Só há ordem quando se cumprirem na solidão da não vigilância os preceitos que são conceitos.

Obediência pelo consentimento

Mas só há grupo quando a ideia de obra mobiliza. Porque o bem comum de certa coisa pública é a fonte e o limite de determinadas regras. Só pode realmente obedecer quando espontaneamente se faz o consentimento. Eis o mínimo vital de quem vive em esquadria moral, a da divina geometria.