A
António Arnaut, pelo lume da profecia que nos deu,
ao
captar a revolta e o lume da razão.
Da sombra e do sólido
1. Há duas forças que
têm de viver em harmonia e de ser balanceadas, para que a evolução se faça de
modo dinâmico, ou progressivo, em complexidade crescente. Sim! Há dois princípios
fundamentais cuja interação recíproca promove a criação e a transformação de
todas as coisas, quando, por dentro das coisas, as coisas realmente são. O Feminino,
a Sombra, ou o Passivo, é o lado Norte da montanha, o que está coberto de
sombra, a terra, as qualidades mátrias. O Masculino, o Claro, o Ativo, ou o
Sólido, é o lado Sul da montanha, o que está iluminado pelo sol, mostrando
expansão e atividade e não apenas integração e padronização. A convergência e a
divergência, para a emergência regenere.
Do Meio-Dia e da Meia-Noite
2. Sim, o Meio-Dia
precisa da Meia-Noite. A vida precisa da morte. Porque viver é esquecer e olhar
a morte de frente. Onde viver é regenerar. Sim! A procura da tensão entre dois
polos, ou dois opostos, como o enxofre e o mercúrio, de acordo com as teses
alquimistas, defensoras de um regresso à unidade original, à totalidade do
mundo maternal e paternal na sua perfeição divina, onde se dissolvem todas as
oposições.
Abram as janelas, quero ver as árvores
3. Releio
Bulhão Pato, em testemunho sobre os últimos momentos de Alexandre Herculano. Lá
estão as últimas palavras do Mestre. Primeiro o "– Isto dá vontade de a gente morrer." Momentos depois: "– Os de casa, coitados, andam com a cabeça
perdida. Dê uma vista de olhos àquilo lá por baixo, para que arranjem a ceia.
Veja os melões. Este ano são magníficos." E, por fim, antes do fim: "–
Abram a janela. Quero ver as árvores."
Do centro imóvel ao espelho
4. Sim, o centro imóvel do
universo, simboliza a eternidade. O coração do Cosmos, tal como aquilo que
simbolizamos por Deus é o coração do universo. Por outras palavras, a
representação do disco solar e dos seus raios exprime a energia religiosa do
homem. Até no xintoísmo japonês, onde o sol é representado por um espelho.
De Nascente a Poente
5. Foi logo no século IV que as
igrejas cristãs passaram a voltar-se para poente, embora o sacerdote celebrante
se virasse para Oriente, até ao Concílio do Vaticano II. Não tarda que seja
visto como o Cristo-Apolo no centro do
Zodíaco. Se Fénix era a ave do sol, muitos são os animais que lá se
situariam (leão, águia, pelicano, touro, cavalo branco, cordeiro e galo).
Cavalo de fogo
6. Também Elias, tal como Mitra,
subiu ao sol num cavalo de fogo. E o carro de sol, também o era o do deus grego
Apolo.
Magistério
7. Raimundo Lúlio chega mesmo a
proclamar: o sol é o pai de todos os
metais e a lua, a sua mãe, enquanto a lua recebe a sua luz do sol. Destes dois
planetas, depende todo o magistério. De magis,
do mestre, o que sempre foi mais do que o minis,
de ministerium, o escravo da função.
Um cria, outro executa. Porque há sabedoria, beleza e só depois força. Para que
não haja força sem beleza e ambas sem sabedoria.
Revelação espiritual
8. E Marsílio Ficino
(1433-1499), o tradutor do Corpus
Hermeticum, quando o antigo culto solar assumiu nova projeção, considera
que o Sol é a progressão crescente de Deus, é a luz divina, a revelação espiritual
e o calor divino.
Esfera do equilíbrio
9. Para R. Fludd, é o centro do
macrocosmos, situando-se no ponto de intersecção da pirâmide da luz com a pirâmide
das trevas, assente na chamada esfera
do equilíbrio
Do centro espiritual
10. Tratar-se-ia, aliás, do
centro espiritual do universo, mas não do centro mecânico deste, que
continuaria a ser a Terra.
O sol é apenas macrocósmico
11. Porque a sublimidade e a perfeição do Sol macrocósmico são claramente
reveladas quando Febo real se senta no seu carro triunfal mesmo no centro do
firmamento e deixa esvoaçar os seus cabelos dourados. Único soberano visível,
detém nas suas mãos o cetro real e todo o governo do universo.
Desmistificar, mas não demitificar
12. Com efeito, mesmo depois de
Kepler e de Copérnico (1473-1543), o culto do Sol não deixou de assumir
dimensões místicas.
Maçonaria é o que os maçons devem fazer
13. Logo, tentar dizer o que
deve ser um maçom no século XXI da era vulgar, é tratar apenas da superfície
das coisas. Porque a maçonaria é aquilo que os maçons fazem. Quando fazem o que
deve ser. Sobretudo, quando precisam que a reta endireite a vara torta e a luz
ilumine a treva. Porque a luz precisa da treva. O sol, da lua. Nós, dos outros.
De todos os outros. Para nos diluirmos em todos os outros. Porque, por dentro
das coisas, é que as coisas realmente são. E somos. O que está cá em baixo, o anthropos, é como o que está lá em cima,
o macrocosmos, onde o homem é o microcosmos e a abóbada celeste, o macro-anthropos.
A treva do autoritarismo de rebanho
14. Porque temo o regresso
àquele autoritarismo de rebanho que vive na tristeza do temor reverencial.
Quando os detentores do poder não conseguirem compreender como se vai
acumulando a explosividade da revolta que, numa qualquer encruzilhada, pode ser
rastilhada por um qualquer acaso procurado, como se traduzem as nossas
habituais crises. Só que a próxima será importada dado que muitos dos fatores
de poder, os maioritários, já não são nacionais...Presos à pilotagem automática
de uma governança sem governo, que se desculpa com a integração europeia e a
globalização, deixámos enrodilhar-nos por todos quantos detestam o
empreendedorismo e o sentido do risco. Há uma massa cada vez mais inerte e
desorganizada que não consegue ser mobilizada para o bem comum, entregando-se
alienadamente ao chicote e à cenoura do verticalismo hierarquista do estadão
que continua a tática do enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.
Esconjurar
o avô-tirano
15. Caso não esconjuremos este avô tirano, nunca
repararemos como é impossível, pela natureza das coisas, um qualquer
salazarismo democrático, porque um regime misto, como deve ser a democracia
pluralista do Estado de Direito, nunca pode fazer desabrochar as sementes da
ditadura, incluindo a tecnocrática ditadura das finanças.
Mesmo o apelo ao anticapitalismo, quando já não há
soberanismo, é mera droga ideológica que não nos cura de uma doença que precisa
urgentemente de um direito público universal, e não das ilusões albanesas.
Séculos de persiganga
16. Vivo num aqui e agora de
quatrocentos anos de Inquisição, com persigangas, fogueiras, bufos e
dissimulações, restauradas por sucessivas Viradeiras, a última das quais se
vestiu de salazarismo, essa soma de inquisidores de gabinete e sacristia com o
policiesco torturador de Pina Manique ou a ordem da cavalariça, onde dezenas de
milhares de moscas viviam da denúncia anónima, em nome da luta de invejas, a
mesma que o PREC restaurou sob a forma de saneamentos, pedindo ao aparelho de
poder para excluir da cidadania o vizinho, o colega ou o parente. Hoje,
vestidos com o verniz da democracia, mudámos o aspeto do bufo e
instrumentalizámos o aparelho de poder, sobretudo a nível da espionite e da
processualização.
Lusitana antiga liberdade
17. Nenhuma dessa gentalha gosta
da cultura do antes quebrar que torcer, da lusitana antiga
liberdade, e por isso, contra a autenticidade da cidadania, o poder nu, das
instituições sem ideia de obra, manifestações de comunhão entre os seus membros
e total desrespeito das regras do Estado de Direito, continua a mobilizar toda
a herança do inquisitorialismo, com a permanecente procissão dos bufos que
sonham, todos os dias, com os autos de fé da terra e dos corpos queimados...
Falta revolta dos escravos
18. "Os
escravos são tão culpados quanto os tiranos. É difícil de dizer se a liberdade
poderá reprovar mais justamente aqueles que a atacam do que aqueles que a não
defendem" (Beaumarchais).
Os inimigos são heréticos
19. "Enquanto
houver inimigos, reinará o terror, e haverá sempre inimigos, enquanto o
dinamismo existir e para que ele exista. Os inimigos são heréticos; devem ser
convertidos pela prédica ou pela propaganda; exterminados pela Inquisição ou
pela Gestapo" (Camus)
Os Pirinéus que não existem
20. "Vérité
dans un temps, erreur dans l'autre" (Montesquieu, Lettres Persannes).
Dizem que o modelo social europeu está morto. "Vérité au deçà des Pyrénées, erreur au delà. » (Pascal). Os
Pirinéus não existem. Dependem das campanhas eleitorais dos que querem saltar
ao Eixo.
Utopia das margens, a receita de
escravos
21. Dizia, há
tempos, uma alta figura de estadão para outro, pouco frequentador da Corte:
"você é engraçado, é pena ser tão radical". O primeiro figurante,
excelente discursador de esquerda, converteu-se em consultor plural de várias
parcerias, onde é ilustre parceiro pensador. E que bem comenta. O segundo nunca
foi de esquerda, está farto da direita e defende os radicais do centro
excêntrico. Confirmo: o situacionismo tem todo o interesse que os insatisfeitos
se encaminhem para a utopia das margens. Mas pode acontecer que a maioria
sociológica deixe de frequentar a esplanada do Bloco Central e procure saber o
que é que a boneca tem dentro. Pode vir a mudança...
Ir de consciência em consciência,
subvertendo
22. O maior
poder de subversão da desordem instalada não reside nas jogadas de Corte ou no
controlo da informação, mas antes no clássico processo do ir de consciência a
consciência, de centro a centro, em termos de exemplo e de convicção. Quando a
comunidade dos que pensam de forma racional e justa atingir o consenso não há
chicote que chegue nem cenoura que compre. Sucederá a inevitabilidade da
emergência, mesmo que se mantenham anteriores convergências e divergências.
Teilhard de Chardin apenas precisou o "Space-Time" de Samuel Alexander.
O primado da alma
23. Segundo
Weber, a moral da convicção (Gesinnungsethik)
incita cada um a agir segundo os seus sentimentos, sem referência às
consequências, diz, por exemplo, para vivermos como pensamos, sem termos de
pensar como depois vamos viver. Difere da moral da responsabilidade (Verantwortungsethik). A segunda apenas
interpreta a ação em termos de meios–fins e é marcada pelo
supra-individualismo, defendendo a eficácia de um finalismo que escolhe os
meios necessários, apenas os valorando instrumentalmente, dizendo, por exemplo,
como em Maquiavel, que a salvação da cidade é mais importante que a salvação da
alma.
Do fator imprevisto
24. A
intelectualice que emiti tem a ver com duas conversas que me chegaram. A
primeira, de um velho patriarca da esquerda, sobre a instrumentalização de um
velho direitista, dizendo que o deviam usar porque ele era inofensivo, vaidoso
e até dava jeito. A segunda de um novo direitista no poder, dizendo exatamente
o mesmo de um esquerdista. Ambos têm razão enquanto a não perderem. Com o fator
mais criativo da história da humanidade: o imprevisto que produz mudanças.
Os deslumbrados do hierarquismo
25. Quando o
poder instalado se estreita absolutamente na rede dos micropoderes que já
sustentaram o anterior sistema de feitores e capatazes, quem manda apenas
mostra que é mandado pelos tradicionais donos do poder. E não há mobilização
nacional que passe por este buraco da agulha. Estamos sob o fio da navalha. Já não somos camelos
bíblicos nem estamos sobre o mesmo fio. Está frio. O do cadáver adiado que, um
quarto de hora antes, emite notas oficiosas. Ele apenas manda, para que os
deslumbrados emitam sentenças de hierarquismos pretensamente insubstituíveis,
como os da paz dos cemitérios.
Imaginação politicamente científica
26. Isto
precisava de uma imaginação politicamente científica e não dos habituais
cadáveres adiados que não assumem a loucura de quem quer grandeza.
Hipocrisia
27. O elemento
mais marcante do salazarismo sempre foi a hipocrisia. Pior: o paradoxo de se fazer
um discurso contra a hipocrisia a fim de se fazer ainda mais hipocrisia. Isto
é, teorizando-se a necessidade da autenticidade, atingiu-se o exato contrário
daquilo que se foi proclamando. E tudo se disfarçava com as mãos papudas do
salamaleque de salão, com a cadeirinha de coiro preto, sacanamente posta para o tolo do gabiru
julgar que o assassinato podia ser gratificante. Sempre na solenidade ritual de
gabinetes grandiosos, onde a luz esguia dos candelabros, o óleo frio dos
quadros épicos e o retorcido das escrivaninhas, nos parecia transportar para a
delícia cultual dos livros de carneira cheios de bicho, cheirando ao mofo dos
inquisidores da treta.
As mãos desinfetadas da legalidade
28. O chefe
supremo tem sempre as mãos higienicamente desinfetadas, porque ele apenas é
mais um desses honestos que, infelizmente, tem que gerir uma plebe de
intermediários desonestos, desde a bufaria dos serviçais que esperam ser
promovidos, à minoria dos jagunços violentistas, numa rede que só é eficaz se o
vértice continuar a parecer o exato contrário daquilo que o conjunto é, na
realidade. O nosso yes, minister
não é apenas uma sátira para série humorística, dado que ainda transporta os
punhais assassinos que nos violaram, nesses colossais edifícios de gigantescas
colunas amedrontadoras, nesses longos átrios que poderiam servir para
cadaverosas exéquias, onde ameaça sempre soprar o gélido vento da morte,
enquanto neles vão desaguando os passos perdidos de labirínticos corredores que
sempre nos fazem lembrar hospitais-prisões
Os engenheiros do absolutismo
29. E nesse
arquitetónico feito pelos engenheiros do absolutismo, a solidão do indivíduo,
que resiste em suas crenças, quase se transforma em medos enregelantes.
Sobretudo, em agrestes noites de invernia, quando as diluídas luzes de néon
contrastam com as saudades do diurno e luminoso sol, dessa memória de força que
nos vai despertando a vontade de fugirmos para bem longe desta prisão dos
tempos cronometrados. Porque a liberdade e o
movimento estão lá fora, rimam com rua, rimam com povo, com esse povo proibido,
que continuam a comprimir em filas de autocarro, em ditaduras de relógios de
ponto, horas para entrar, horas para sair, horas para almoçar, segundo o ritmo
da burocracia cinzenta, planificada, avaliadora
Do povo proibido
30. Porque a liberdade e o
movimento estão lá fora, rimam com rua, rimam com povo, com esse povo proibido,
que continuam a comprimir em filas de autocarro, em ditaduras de relógios de
ponto, horas para entrar, horas para sair, horas para almoçar, segundo o ritmo
da burocracia cinzenta, planificada, avaliadora. Por isso apetece peregrinar
pelos exílios que podem ser e sempre estão à nossa espera.
Da honra
31. Há desafios que só podem ter
daquelas respostas imediatas assentes na intuição que nasce da honra e apenas é
comandada pelo lume da profecia, mas com um discurso daqueles que têm o sangue
frio dos que sabem manejar a racionalidade em pleno olho do furacão. Porque é
em plena crise, acompanhando o movimento das circunstâncias, que podemos evitar
ser arrastados pela tempestade. Não para domarmos os ciclones, mas para
podermos continuar a domar-nos a nós mesmos, garantindo a resistência da nossa
autonomia e tentando continuar a viver como a nós mesmos nos pensamos.
Da sabedoria
32. Sol tem a ver com
o ovo cósmico, sendo equiparável ao Yin-Yang, enquanto signo da totalidade,
porque cada ser tem de assumir-se, ao mesmo tempo, como o masculino e o
feminino. Sim, como Jakob Böhme, o homem primordial, o Adão andrógino, ao mesmo tempo um homem e uma mulher de raça
muito pura. Podia gerar livremente por partenogéneses e possuía um corpo que
podia trespassar árvores e pedras. O tal feminino que dormia com ele era a
sua esposa celestial, a Sabedoria, aquilo que William Blake (1757-1827) vai
chamar Emanação. Ao cometer o pecado original, imaginou-se no mundo exterior,
perdendo o corpo astral luminoso e convertendo-se em larva, pelo que passou a
viver uma vida sombria e irreal, na vertente masculina.
O nosso tempo de ciência, poético e
transcendente situado
33. O tempo
maçon nada tem a ver com o curto-prazo dos maquivélicos detentores de um poder
que precisa de ser pactado pelas pequenas e médias oligarquias das assembleias
das pequenas e médias oligarquias. Os mandarins passam, as obras trabalham-se. O próprio Copérnico que, a partir de 1507, apoiando-se
em autores antigos como Aristarcos de Samos, Heraclides Ponticus ou Nicetas de
Siracusa, em De Revolutionibus Orbium
Caelestium, de 1543, não nos deixa sem este louvor hermético, quando a
ciência não cortava com o poético e o transcendente, mas situado: No centro de todas as coisas reside o Sol.
Seria possível encontrar um lugar melhor no mais belo de todos os tempos, cuja
luz é capaz de iluminar todas as coisas imediatamente? É com razão que lhe
damos o nome de lâmpada, espírito, de senhor do universo. Para Hermes de
Trismegisto ele é o Deus invisível, e a Electra de Sófocles chama-lhe
Aquele-que-tudo vê. E assim o Sol está sentado no seu trono real e guia os seus
filhos, que o rodeiam.
18 de Abril de 2012, da era
vulgar.
Prancha no primeiro aniversário da loja Sol
Prancha no primeiro aniversário da loja Sol