quinta-feira, 29 de setembro de 2016

XIX Nos Estaus, quebrando o anátema










O Estado totalitário é menos uma causa do que um sintoma. Não é ele que destrói a liberdade, pois organiza-se sobre as suas ruínas.
G. Bernanos





1
Aqui e Agora. Nos Estaus, perto da Mouraria, num sítio que, depois de ter ardido como Palácio do Tesouro e de ter sido sublimado em Teatro Nacional pela Santa Liberdade, cabe-me assinalar a abertura deste colóquio aberto, promovido pelo Grémio Universalis do Grémio Lusitano, parcelas que somos da mais antiga associação democrática portuguesa, fundada e continuadamente resistente desde 1802.

2
O motivo da glosa é a espiral de violência de sermos pátria, isto é, memória e valores, na cidade mais magnicida do século XX, do regicídio de 1908, aos sucessivos republiquicídios de 1918, 1921 e 1965, entre terrorismos propriamente dito e terrorismo de Estado.

3
No século XX, todos matámos e todos morremos, em nome do Estado, da Religião, da Libertação, da Ocupação ou do Mercado. Mas, de vez em quando, recordamos o perfume de palavras de paz, sugerindo peregrinações pelas nossas raízes, a fim de redescobrirmos as tradições que nos podem dar futuro. Mas logo acrescentando que todas as religiões, todas anti-religiões, todas as ideologias e todas as conceções de Estado, sobretudo as que se assumem como uma verdade absoluta, estão, todas, e cada uma delas, condenadas ao respeito pelas outras.

...


Teatro Nacional D. Maria II,  
6 de Dezembro de 2014

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Sobre Kipling. Texto na edição "À Minha Loja Mãe" (2015)



Words are, of course, the most powerful drug used by mankind… 
(Kipling).


O eterno vem ao tempo
A poesia é mais verdadeira do que a história. Porque não é a história que faz o homem, mas o homem que faz a história, mesmo sem saber que história vai fazendo. Daí que o paradoxo ainda continue a ser a melhor forma de acedermos à verdade, porque esse é o conteúdo da fé, pelo qual o eterno vem ao tempo, como salientava Kierkegaard. 

A poesia é mais verdadeira do que a história

A poesia é, assim, mais verdadeira do que a história, a que não é causa, provocada pelos teóricos do processo histórico, sob a forma de ideologias, mas antes o simples produto das ações dos homens e não das respetivas intenções e planeamentos, porque são mesmo os poetas que movem a humanidade, sentindo as correntes profundas. 

O convívio da história com o mistério

Daí, a maçonaria, porque faz conviver a história com o mistério e apenas ascende quando se torna poesia. 

Kipling

Como a de Rudyard Kipling, quando tentava elevar o imperialismo britânico na Índia, onde nasceu, em esforço de civilização, agregando cristãos, muçulmanos, hindus, sikhs e judeus. 

Baden Powell

Até estava inserido naquele movimento de criação do movimento scout, de Baden Powell, procurando um método educativo para uma nova forma de vida. 

Álvaro de Melo Machado

Aliás, quatro ano depois do lançamento de tal movimento, um jovem oficial português, Álvaro de Melo Machado, iniciado maçom desde 1907, fundava, em Macau, o primeiro grupo de escoteiros em território português, quando já era bastante ativa a loja Luís de Camões, que mobilizava personalidades como Camilo Pessanha e o jornalista Francisco Hermenegildo Fernandes. 

Plenitude

O poema de Kipling, sem qualquer cedência ao cientificismo, chame-se futurologia ou prospetiva, supera, em plenitude, as próprias vulgatas esotéricas, revelando o essencial dos homens de boa vontade que querem ser homens livres, conforme o berço do estoicismo, do judaísmo, do cristianismo e do islamismo, bem contrário aos totalitarismos grupais e aos respetivos fundamentalismos. 

Juntar humanismos

Porque ainda hoje continua a ser mero projeto essa procura do sonho, tentando juntar, contra a intolerância, os vários humanismos, laicos ou religiosos, os que nos deram a revolução atlântica demoliberal. 



Assumir a esperança

Se não imagino uma utopia dos “amanhãs que cantam”, à procura de uma dessas revoluções de terror, que encontrem o totalitarismo de um qualquer aparelho de poder pretensamente iluminado, nem por isso deixo de assumir a esperança, vislumbrando as sementes de bem e de mundo melhor que a humanidade tem acolhido. 

Velhos cavaleiros do Apocalipse

Porque, quando os meus netos forem pais e avós, julgo que eles ainda lerão o poema de Kipling, contra as novas investidas dos velhos cavaleiros do apocalipse, como novas fomes, novas pestes e novas guerras, e com os consequentes rastos de fanatismo, ignorância e tirania, os tais sintomas das causas que costumam acompanhar essas degenerescências. 

Cairmos e levantarmo-nos

Isto é, acredito que, depois de inevitáveis quedas, os homens concretos e o homem de sempre estarão, mais uma vez, a levantar-se, com novas frases que pensam salvar a humanidade, mas ainda sem conseguirem a salvação do mundo, essa procura da perfeição que marca sempre o homem imperfeito. 


Platão, Cristo, Buda, Confúcio, Maomé e Rousseau
Por isso, os meus filhos e os meus netos continuarão a ler Platão, Cristo, Buda, Confúcio, Maomé e Rousseau, bem como um desses poetas de hoje, que desconheço, mas que, de certeza, já escreveu a nova inspiração do amanhã. Words are, of course, the most powerful drug used by mankind… (Kipling).

XVIII O Pensamento do Meio-Dia. Para refazer a Renascença, em Armilar.



Entre sufis, franciscanos, cabalistas e maçons


A Ibn Qasi, um nosso herói...
Os Muridinos não vinham no antigo livro da quarta classe. Convinha escrever de novo certas histórias.

Se...

“Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,

Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
Com lágrimas de amor e bençãos de perdão...

Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(Mas sem a afectação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...

Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança,
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...

Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sorrindo o amor dos teus amores...


1
Dos velhos crentes
A ortodoxia portuguesa exige o reconhecimento das minorias... De heréticos a infiéis. Porque os velhos crentes podem ler lealdade básica à paixão e graça da terra.

Depois ainda há os judeus errantes... E os escravos africanos. Eram dez por cento da população de Lisboa no século XVIII...e nunca foram homenageados, a não ser com nomes antigos de ruas.

Dizem que ele e o Fundador "assinaram" uma aliança contra os "fundamentalistas" Almóadas, em cujos bastidores se encontrava o ecumenismo místico entre templários e sufis, pois ambos eram cavalaria espiritual gnóstica. Aliança essa entre estes dois reinos, efémera por via da perda dos territórios de Ourique embora nunca olvidada na ideia pré-nacional associada à grande Empresa.
Já estive na Arrifana, o seu convento e sede do seu reino. Os mihrab estão de costas para o Oceano porquanto orientados para Meca. A potência da paisagem costeira é tal que só de a olharmos, "acordamos".

...

Prancha na Loja Pentagrama

XVII Da Clandestinidade à Luz


1
Sim! O nome deriva de Aké, devido à ponta, como no instrumento pontiagudo de metal. Diz-se em hebraico shittah tendo como plural shittim traduzindo-se em grego por aseptos, isto é, o que não entra em putrefação, enquanto modelo do incorruptível e da imortalidade da alma. Da madeira dela fez-se a própria Arca de Noé, sendo também usada para a construção do Tabernáculo, conforme a Bíblia (Ex. 30, 24; 26; 28).

2
Emblema solar, consagrado por Egípcios e Árabes, como a divindade diurna, por causa das flores amarelas e douradas, que representam o que é magnificente e poderoso, isto é, o sol e a luz. Símbolo da inocência e da ingenuidade, mas também da segurança e da certeza, da imortalidade e da incorruptibilidade, talvez porque, neste mundo de homens lúcidas, importa a lucidez de sermos ingénuos. Conhecida como pinheiro do Egito, a dita acácia mimosa.

3
Para René Guenon, até a coroa de espinhos de Cristo tem a ver com os da acácia, equivalendo aos raios luminosos, provenientes do sol. Segundo a lenda, os Templários cobriram as cinzas de Jacques de Molay com acácias. E Maomé destruiu o ídolo Al-Vzza ou Al-Uzza que tinha a acácia como símbolo.

4
Não! Não vou seguir este caminho. Prefiro passar do ramo à árvore e saudar esta memória viva de uma loja que procura regenerar um espaço que vai da preparação do cinco de Outubro à resistência à ditadura, entre Machado Santos e Adelino da Palma Carlos. Por outras palavras, uma loja de vencidos da vida e de projetos por cumprir, onde os momentos mais sublimes talvez tivessem sido assumidos pelos que tiveram a heroicidade de viverem como pensavam, sem pensarem como depois iriam viver. Mas desses não reza a história, pelo que temos de os assumir em regeneração, para os poder cumprir aqui e agora, com saudades de futuro.

...


Prancha na Loja Acácia

Nunca podemos passar o planisfério a uma esfera, sem distorção (glosa a prancha I)




Apenas pode estar vigilante aquele que está desperto e que pode ascender, pela recordação, ao que é grei. Porque, no princípio, tem de estar o fim, se não esquecermos os egrégios avós e até o egrégio teorema de Gauss. Onde nunca podemos passar a planisfério, uma esfera, sem distorção, dado que, conservando os ângulos, não conseguimos conservar a área. 


Os povos não se medem aos palmos financistas. No princípio está sempre o fim. É sempre o fim.



Grex tanto deu grei como egrégio. Porque no princípio é sempre o fim, quando se faz o princípio, procurando criar um ajuntamento de almas, momentâneo, pelo exercício do ritual, onde possamos aceder ao eterno. Uma liturgia, desprofanizando o sagrado, nomeadamente pela descoberta de uma força de coesão.



Pode haver ascensão a um princípio que seja a ordem verdadeira. A cópia, modelo ou forma do começo que é fim. A imagem do subconsciente coletivo, onde apenas temos de recordar.



Na alma de um grupo, o todo é mais do que a mera soma das partes, são manifestações de comunhão, em torna da ideia de obra, ou de empresa. Só vigia quem está desperto.



Todo o grupo humano tem força psíquica, consciência coletiva, uma espécie de espelho do inconsciente coletivo.



Há, assim, correntes emocionais, mentais e espirituais que vêm do todo. Uma ideia-força, um vitalismo. A tensão entre luz e trevas; alegria e dor; a manifestação da totalidade pelo paradoxo, num ciclo de convergência, divergência, emergência, conforme a complexidade crescente.



A sabedoria só se atinge pela prudência, através da técnica, isto é, pela ascensão, o espírito vindo das coisas. Para o todo das coisas. Onde até viver é morrer, para que morrer seja viver.



E vive-se mais do que se explica, na razão da emoção partilhada, na dinâmica de uma via iniciática, individual e coletiva.



No princípio está sempre o fim. É sempre o fim. Mas só quando se faz maçonaria.




XVI O Primeiro de Dezembro


Triste de quem vive em casa,
Contente com o seu lar,
Sem que um sonho, no erguer de asa,
Faça até mais rubra a brasa
Da lareira a abandonar!
Triste de quem é feliz!
Vive porque a vida dura.
Nada na alma lhe diz
Mais que a lição da raiz-
Ter por vida a sepultura.
Eras sobre eras se somem
No tempo que em eras vem.
Ser descontente é ser homem.
Que as forças cegas se domem
Pela visão que a alma tem!
E assim, passados os quatro
Tempos do ser que sonhou,
A terra será theatro
Do dia claro, que no atro
Da erma noite começou.
Grecia, Roma, Cristandade,
Europa- os quatro se vão
Para onde vae toda edade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu Dom Sebastião?

Hoje é sempre o primeiro dia do resto da minha vida coletiva. Chama-se Francisco Velasco Gouveia, chama-se João Pinto Ribeiro, chama-se Padre António Vieira, chama-se Fernando Pessoa, sobretudo, aqui, neste templo, nesta pátria, neste dia, o do octogésimo aniversário da edição de Men Agitat Molem, um ano antes da lei de extinção da NÃO, um ano antes da morte do Mestre. Foi quando voltámos à procura de uma república maior, a do Portugal político, com vontade de ser independente. Foi quando transformámos as Atas das Cortes de Lamego, as apócrifas, dos alcobacenses, em lei fundamental. Nós somos livres, o nosso rei é livre. Fez-se, por causa disso, o Brasil. Ganhámos 28 anos de guerra a uma das maiores potências militares da Europa, aliada ao Papa. Agora, falta cumprir-se Portugal. Mesmo que Velasco e Vieira tenham de novo passar pelas garras da Inquisição.

...



Prancha na Loja Bontempo

XV A independência por cumprir e a balança mundial dos poderes





I
Europeístas, atlânticos, lusófonos
1. Qualquer discurso de avaliação da política externa que queira ser diplomaticamente correto e se paute, mui metodologicamente, pelas doutrinas oficiais, ou oficiosas, tanto das escolas de regime, como das suas vulgatas glosadoras, conclui pelo óbvio do nosso geopolítico lugar no mundo: europeísta, euro-atlântico, não iberista, com muitas saudades do armilar, mas sem investimentos de poderio adequados.

Balança e balanços
2. Somos, com efeito, uma das peças da balança desta não oleada Europa. Mas, infelizmente, por ter de ser, longe do fulcro. E, se conjugamos a Aliança Atlântica, talvez seja porque, antes de o sermos, já o éramos (até chegámos à Terra Nova antes de Colombo se enganar). Também dizemos Brasil, para que o lado de baixo do Equador não nos esqueça, que ainda sobrevivemos, mas sem vivermos o urgente navegar é preciso. Tal como, todos os dias, praticamos a lusofonia em poder ser, mas sem completo acordo comunitário. Contudo, o velho reino lusitano, se já não pode ser cabeça, também não deve perder-se em bicos de pés, ou andar sempre de pé atrás.

...



Prancha na Loja Europa

O legado humanista (glosa prancha I, 2.)



O legado humanista, transmitido ao iluminismo


O nosso legado atinge a plenitude com os iluministas, os que procuraram voltar ao 
renascentismo, a Camões, a Damião de Góis, ou a Erasmo. Os que pediram ao neoplatonismo para que se acrescentasse ao neotomismo, para que a racionalidade aristotélica nos permitisse regressar, tanto ao estoicismo como à própria raiz Academia de Platão

Contrato social
1. Primeiro, a ideia predominante de contrato social, como génese do político e paradigma da república.

Principado vs. república
2. A distinção entre um Estado-Aparelho de poder, ou principado, e um Estado-Comunidade, ou república.

Estado-razão
3. A tentativa de passagem da Razão de Estado ao Estado-Razão (como a expressou Espinosa).

Estado de reponsabilidade limitada
4. A ideia de um Estado de mera responsabilidade limitada (John Locke)

Vontade geral
5. A vontade geral entendida como vontade racional (Rousseau)

Autonomia da sociedade civil

6. A autonomia da sociedade civil, como sociedade dos cidadãos, entendida como sinónimo de sociedade política.